Empresas trocam poupança por crédito "fácil" da banca

Se na última década as empresas privilegiaram o autofinanciamento, a verdade é que, entre 1995 e 2010, o financiamento bancário duplicou o seu peso na dívida das empresas portuguesas, que reduziram a poupança bruta. A "atomização" do tecido empresarial e o "peso da aversão ao risco" nas decisões de investimento explicam o reduzido recurso ao mercado de capitais
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Mais de metade das necessidade de financiamento das empresas portuguesas, entre 2003 e 2009, foram asseguradas pelo autofinanciamento; o crédito bancário representou apenas 25%. Atividades financeiras, comércio, indústrias transformadora e extrativa, eletricidade, gás e água e alojamento e restauração são os sectores em que prevalece o autofinanciamento, de acordo com o estudo "25 anos de Portugal europeu". O trabalho da consultora Augusto Mateus & Associados conclui ainda que o "principal obstáculo ao investimento empresarial não está no financiamento", tanto a nível interno como externo, mas sim na "deterioração das perspetivas de vendas e da incerteza quanto à própria rendibilidade" dos projetos.

No entanto, e fazendo uma análise mais alargada no tempo, o estudo mostra-nos que o desenvolvimento do sistema financeiro, com a consequente facilitação e embaratecimento do recurso ao crédito, levou as empresas portuguesas a privilegiar o endividamento através de empréstimos bancários, reduzindo a necessidade de poupar para investir. De facto, na análise ao período de 1995 a 2010, o estudo conclui que o financiamento bancário duplicou o seu peso na dívida financeira das empresas até à viragem do século, ao mesmo tempo que estas reduziram a sua poupança bruta, que, desde 2005, não voltou a ultrapassar a barreira dos 10% do produto interno bruto (PIB). O aumento do crédito serviu para sustentar o crescimento do investimento empresarial, que passou de 12% para 16% do PIB até 2000, ano a partir do qual o esforço da formação bruta de capital no País desacelera progressivamente.

Para Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI), "o que aconteceu na primeira década do século foi que, muitas empresas, perante uma conjuntura difícil, foram obrigadas a recorrer ao crédito "fácil" para reestruturar as suas atividades, em muitos casos, para se manterem em funcionamento". E cita o exemplo da construção e do imobiliário, credor de mais de 1,6 mil milhões de euros de pagamentos em atraso do Estado, para explicar que, "num momento inicial, em que existia alguma abertura da banca, as empresas viram-se forçadas a recorrer a instrumentos bancários para colmatar as dificuldades de tesouraria, muitas delas causadas pelo crescente atraso nos pagamentos que lhes eram devidos".

O trabalho da consultora Augusto Mateus & Associados sublinha, no entanto, que o maior endividamento das empresas portuguesas "não acentuou" a vantagem do País face à União Europeia. E, bem pelo contrário, "Portugal dilatou o atraso na poupança na última década".

Especifica, ainda, que, desde 1995, as empresas portuguesas "permaneceram a meio da tabela da UE27 no investimento, mas caíram para penúltimo lugar na poupança, não acompanhando a tendência de subida do aforro entre as congéneres europeias na viragem do século". Em contrapartida, as empresas portuguesas "ascenderam ao quinto lugar no endividamento, com um acréscimo da dívida face ao PIB só suplantado pelas empresas espanholas, búlgaras, cipriotas e irlandesas".

Características nacionais, como a "atomização" do tecido empresarial" e o "peso da aversão ao risco" nas decisões de investimento, ajudam a explicar "a reduzida expressão do mercado de capitais ou do capital de risco" na estrutura de financiamento das empresas portuguesas. Para Reis Campos, os fatores indicados têm influência, mas "estão longe" de ser os mais importantes, sendo que o problema é que Portugal "não tem um verdadeiro sistema financeiro". A banca, defende, "assume uma posição esmagadora e desproporcionada", designadamente ao nível do pedido de garantias reais que "superam, muitas vezes, os limites do razoável".

O estudo conclui ainda que a propensão para os empréstimos e depósitos bancários, em detrimento da alternativa de financiamento e de poupança que constitui o mercado de capitais, "justifica a menor relevância da bolsa nacional face ao PIB", comparativamente aos países da UE. O Euronext, que reúne as bolsas de Lisboa, Paris, Amesterdão e Bruxelas, está apostado em captar as PME para o mercado de capitais por via da Enternext, promovendo uma relação de proximidade.

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